Friday, November 7, 2014

Palmas

A cada pessoa ou grupo que entrava na sala principal do Teatro Vila Velha, uma salva de palmas.

Jango – Uma Tragedya, peça dirigida pelo diretor de teatro baiano Márcio Meirelles, já assusta no primeiro contato entre o palco e a plateia: além dos aplausos acalorados dos personagens para cada um que entrasse na sala, a disposição dos atores no espaço era bastante peculiar. Eles estavam em todas as partes: no palco, nas laterais, no andar de cima – era difícil saber para onde olhar, pois tudo acontecia ao mesmo tempo.

Foto: Cena da peça Jango - Uma Tragedya / Bruna Castelo Branco / Labfoto

Vamos agora fazer uma pausa de 13 linhas para falar sobre a história do teatro. De acordo com o Wikipedia – a enciclopédia livre – o teatro nasceu com o desenvolvimento do homem, para suprir as suas necessidades. O teatro, inicialmente, era danças dramáticas e coletivas que abordavam temas cotidianos do homem primitivo – as primeiras civilizações humanas. Mas, o teatro na forma que conhecemos surgiu, de fato, na Grécia, em celebrações para homenagear o deus Dionísio, o deus boêmio. O teatro passou a ganhar mais espaço e ser mais valorizado no renascimento cultural da Europa ocidental: os grandes salões e palcos foram construídos, a preocupação com o figurino e cenário começou a se tornar obsessiva e até mesmo cavalos vivos subiam ao palco para trazer mais vivacidade aos espetáculos. A intenção, na verdade, sempre foi fazer com que o público se sentisse mais pertencente à peça, pego por emoções como o susto, tristeza, medo, raiva, e o riso. Criar uma relação de interavidade entre a encenação e o expectador: é nesse ponto que podemos voltar a Jango.

Foto: Interior do teatro Comédie-Française em Paris / Aquarela do séc. XIX

Jango é uma peça que fala sobre o ex-presidente do Brasil João Goulart, como se ele tivesse parado no tempo enquanto os fatos históricos prosseguiram: Jango, o personagem, fala de todos os sentimentos que possivelmente acometeram Jango, o presidente. Jango se explica, discute com outros personagens históricos da política brasileira, fala sobre tudo o que se passou quando foi deposto da presidência pela Ditadura Militar e as atitudes que, por ventura, poderia ter tomado: e se. E, entre esses “e se’s”, a platéia assiste a vários vídeos históricos que passam em dois pontos do palco permitindo que todo o teatro pudesse ver, até que, de repente, o expectador, em um susto, se enxerga em um dos telões. Olha para os lados, constrangido, mas sorri quando percebe que uma dos personagens está com um celular na mão, filmando não apenas os outros personagens da tela, mas também a platéia. A tal da interatividade público – atores.

Foto: Cena da peça Jango - Uma Tragedya / Bruna Castelo Branco / Labfoto

Sim, ela não sumiu, e muito menos (na minha opinião de mais uma na plateia do teatro) se transformou. Ela – a interatividade – apenas ganhou mais uma plataforma de vida: a conexão por meio do susto, tristeza, medo, raiva, e riso não acabaram. A diferença é que, hoje, a interatividade encontrou mais um meio de se estabelecer como forma de comunicação: as tecnologias virtuais.

Márcio Meirelles enxergou essa nova plataforma e tem aproveitado isso em diversas de suas produções teatrais: outro exemplo é a releitura do espetáculo Esperando Godot, de Samuel Beckett. Na peça “original”, os dois personagens principais (Vladimir e Estragon) passavam quase todo o tempo conversando embaixo de uma árvore, ali, face-a-face. Na recente interpretação de Meirelles esse quadro se tornou um pouco mais parecido com a realidade da sociedade contemporânea: grande parte dos diálogos entre os personagens aconteciam virtualmente. Cada um ficava em seu computador (que eram dois telões na sala do Teatro Vila Velha) e, quando convinha, se encontravam para se relacionar pessoalmente. A grande pergunta que ficou, para mim, foi a seguinte: as novas tecnologias de informação e comunicação impactaram muito o formato do teatro tradicional modernista?

Foto: Cena de Esperando Godot tradicional / Josep Aznar

Vou responder, esclarecendo que tudo isso não passará de uma opinião. Impactar? Claro, acho que é inegável dizer que não houve algum impacto. Mas, deixe-me expressar: eu não acho que as novas tecnologias tenham, de alguma forma, mudado o teatro – apenas expandiu os seus horizontes. O Esperando Godot de Márcio Meirelles, na essência (relembrando que é apenas a minha opinião) não se difere de forma significativa do Esperando Godot de Beckett. O teatro continua sendo teatro, e Esperando Godot continua sendo Esperando Godot. A diferença se faz mais presente na reação da recepção. Algumas pessoas que assistiram à peça reclamaram que os telões e o bate papo virtual entre os personagens fazia o pescoço doer, pois era necessário olhar de uma tela para a outra, que estavam localizadas em extremos opostos da sala, ou seja, era necessário um movimento quase constante da cabeça: o que, de toda forma, se configura também como uma maneira de interação. No final das contas, o que eu quero dizer é que o teatro não perdeu a sua essência por se integrar, juntamente com outros campos da arte (cinema, música, literatura) às novas tecnologias de comunicação.

Foto: Cena de Esperando Godot dirigida por Márcio Meirelles / Natácia Guimarães / Agenda de Arte e Cultura

Recentemente fui a um espetáculo do Filte (Festival Internacional de Teatro), um monólogo sobre a história de Ricardo III, originalmente escrita pelo dramaturgo inglês William Shakespeare. O que me chamou a atenção, devo admitir, foi saber que a peça seria encenada por, nada mais nada menos, que um ator uruguaio. Eu não falo e não entendo espanhol. A solução foi bem simples: o espetáculo foi legendado. As palavras em português corriam uma das paredes da sala e a peça estava traduzida, a comunicação estava estabelecida para qualquer pessoa alfabetizada.

Jango, no final, fica inerte. Seu corpo perde as forças e ele é carregado, em meio a plateia, até o outro lado das cortinas. A peça acaba.

E, repetindo um gesto tão milenar quanto o teatro e que sempre o acompanhou desde os seus primórdios, o público interage da forma que melhor conhece:

Palmas.

*Por: Bruna Castelo Branco
*Revisão: Grupo 01

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