Friday, October 31, 2014

Lucy: ela está em todos os lugares

Uma mulher que ingenuamente vai parar no lugar errado e na hora errada e por conta disso acaba tendo seu corpo servindo de “transporte” para uma das drogas sintéticas mais potentes já criadas.

A mulher é Lucy, e o filme de mesmo nome é dirigido pelo francês Luc Besson. A história é sobre a trajetória de Lucy (Scarlett Johansson) que após cair nas mãos de mafiosos chineses é obrigada a levar um pacote de uma droga poderosa para outro país. Depois de levar um pontapé na barriga, o pacotinho se rasga e a droga se espalha pelo seu corpo, uma substância que potencializa as funções cerebrais e permite o aumento do uso do cérebro gradualmente até 100% (enquanto as pessoas normais usam 10%).

Foto: Cartaz do Filme / Reprodução

No entanto, a discussão que vai além da narrativa hollywoodiana está justamente nas possibilidades ampliadas a partir do efeito da droga. Aos poucos, Lucy vai descobrindo novos ‘poderes’ à medida que seu cérebro expande suas habilidades. Ela não fica apenas mais inteligente, ela é capaz de controlar as frequências eletromagnéticas, controla aparelhos eletrônicos e seus sentidos se expandem até que ela é capaz de ultrapassar as fronteiras do tempo e do espaço.  Seu cérebro funciona como um computador, e seu corpo supera os limites convencionais da matéria: isso torna Lucy capaz de desvendar os segredos do universo desde sua criação.

Trazendo a condição de Lucy para o nosso contexto, um pouco menos fantasioso, podemos traçar um paralelo com a relação homem e tecnologia ou homem e ferramenta. Os poderes de Lucy são responsáveis por fazer o que grande parte das tecnologias já criadas são capazes, e até mais. Seriam então os nossos aparatos tecnológicos a possibilidade de estender nossa capacidade cerebral para além de um décimo? Será que em breve, barreiras do espaço e do tempo serão quebradas graças aos avanços científicos? O homem já sabe criar uma máquina do tempo, ela só não é realmente concebida porque ainda não é possível alcançar a velocidade da luz, não temos energia suficiente para isso.

Lucy viaja no tempo, controla mentes e quando finalmente atinge o auge de sua capacidade cerebral, ela se desmaterializa, se integra aos aparelhos eletrônicos que estão à sua volta e comicamente, vira um pen drive, que guarda todas as informações cruciais para entender o universo e servir a sociedade. O que foi, para muitos, um final quase medíocre comparado ao esperado pelo público, serve para ratificar nossa compreensão do homem com seus frutos tecnológicos.  O final levanta mais uma questão, fazendo refletir sobre até onde nós vamos caminhar de forma harmônica ao lado de nossas próprias ferramentas, até que ponto nossos super poderes chegarão antes de perdemos o controle e virarmos reféns de nossas próprias invenções. E se tudo que temos produzido desde a idade da pedra não tem cumprido a mesma função da droga de Lucy? De potencializar nossas habilidades, ampliar nosso conhecimento até virarmos escravos da própria criação?

Foto: Cena do filme / Reprodução

Mesmo sendo uma visão apocalítica de uma questão tão ambígua, que é o papel e a influência da tecnologia sobre nós mesmos, é fato que os aparatos tecnológicos tem estabelecido um novo cenário na sociedade contemporânea, podendo servir tanto para facilitar nossas atividades e ampliar o conhecimento como para alienar a consciência das pessoas, forçando-as a ver as coisas apenas sob a mesma perspectiva.  

Lucy é um filme que mesmo sendo produzido com pretensões maiores, ainda se encaixa nos moldes pré-fabricados vindos de Hollywood. Uma heroína cheia de vícios e virtudes (interpretada por uma ótima atriz), um professor notório para explicar o que acontece e reforçar a história improvável e alguns elementos bastante simbólicos que fogem da lógica impessoal da indústria cinematográfica.  

Por exemplo, a referência à 2001: Uma odisseia no espaço de Kubrick quando reproduz a origem dos nossos antepassados, ou quando intercala as cenas de ação do filme com cenas de ação da natureza (um leopardo caçando) no intuito de criar uma metáfora ou até mesmo quando une cenas poéticas ou abstratas com música clássica. Mesmo com esses elementos, o filme possui uma narrativa previsível e, apesar da proposta genial, peca pelo exagero e pela tentativa fracassada de pôr um final dramático ou poético depois de uma sequência de acontecimentos grotescos.

O ponto mais positivo do filme ainda se concentra no tema que a principio tinha muito potencial, mas que foi mal aproveitado. Apesar disso, a obra rende discussões e levanta questões filosóficas sobre nossa origem e o que estamos fazendo, sem falar da reflexão explícita sobre ferramentas como extensões do homem e os limites da tecnologia.

Vídeo: Trailer legendado do filme

*Texto: Laís Matos
Revisão: Grupo 01

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